Da sacada pro asfalto

Sentou-se na sacada do seu prédio, acabou com o cigarro numa tragada só. Pensava na vida, e a morte vez ou outra, passava-lhe na cabeça.

Olhou para baixo, o barulho dos carros, que dava-lhe dores de cabeça, hoje não o incomodava. Sorriu, e, nesse sorriso havia um quê de nostalgia. Quando criança era vivaz, corria descalço, trepava em árvores para roubar seus frutos, para sua mãe, arrancava rosas do vizinho; Seu Aldemar, lembrou ele dos nomes que era xingado, nada apropriado para sua idade. Quando adolescente, teimoso, rebelde, trepava agora em moças; em uma delas, como resultado, nasceu Augusto.

Uma lágrima escorreu em seu rosto. Sentia-a na boca, salgada.

Adulto, agora, na sacada; pacato, acomodado, em suma, uma lista imensa de adjetivos vazios, sem brilho. Acendeu outro cigarro.

A campainha tocou, uma, duas, a partir do três, fora tocada freneticamente, ele não escutou sequer uma. O seu barulho abafava o exterior. Da mente para fora não ouvia nada.

A pessoa atrás da porta bufou e foi embora soltando os mesmo insultos que Seu Aldemar costumava ultrajar.

O céu estava de um tom púrpura, parecia até que Isabela, mãe de Agusto, o tinha pintado.

Outra lágrima? Sim, mas essa não desceu, fez morada no canto superior de seu olho esquerdo. Morreu, segundos depois, com uma espalmada, subitamente em seu próprio abrigo.

A orquídea que jurou cuidar, morrera, percebeu. Aliás, notou que tudo ao redor parecia morte. Morte causada pelo próprio.

Continuou pensando em seu filho. Como não parecia-se com ele; pele escura, olhos verdes, nariz grande. Outra vez seu interior suspeitou.

Balançou a cabeça rindo, condenara Isabela de novo; imaginou-a com vários homens diferentes, todos pais de Augusto, menos ele.

Negou as suspeitas de si, foi essa suspeita que resultou o filho do outro lado da cidade. Pegou o celular, quis ligar. O número de Isabela aparecia na tela. Uma pontada no peito, agora as lágrimas corriam-lhe a face por inteira. Faltava-lhe ar.

Jogou o celular sacada abaixo. E, em seguida foi-se junto com ele.

Isabela virou-se, sentiu algo se chocar no chão, atrás dela. Levou uma mão na boca e com a outra tapou os olhos do filho. Entre os dedos da mãe, Augusto assistiu a morte do pai, impassível.

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